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28 junho, 2007

O gerúndio longínquo


Pensou num gerúndio longínquo naquele momento de vida. Transcorria seus valores e comportamentos numa trilha sem destino. Era rápida e lenta; oscilava nesse momento de retardo e ligeiro, mas o gerúndio incongruia nesses intervalos. E inconguia... vagando... divagando... pensando...bufando qualquer tolice; dançando qualquer valsa, balançando qualquer movimento. Andando... caminhando qualquer caminho. Incongruindo.

Incongruindo do que?

Tragou seu primeiro e guloso e fumegante gole de café. Diluiu suas primeiras reflexões do dia, que sempre vinha acompanhada de mau-humor, nessa pausa longa. A essa altura a dor de cabeça era menor e também o seu dispor com o próximo. Seria aceitável um sorriso de canto de boca.

Duas! Já era a quarta ou quinta. Seis! meia garrafa de café.

Eram dois... eram dois... tudo vinha em par! O café e o copo. O sol e o dia. A mão e sua símea. O abre e fecha. Tudo vinha em par, tudo! Tudo vinha em par senão o seu par.

Seu par era soberana. Atravessava a rua e tinha medo do sol. Parava. Não ela. Ela parava o sol. Ela descia o sol à sua cama e brilhava, ofuscando-o. Era dia e ela era o sol. Ela era Deus mandando que o sol se assentasse.

Ele olhou a rua e a menina soberana que a atravessava.

E só olhou. E queria o próximo dia, quando ela se cansasse e o sol dormisse. Era cedo. Era tarde? Ela passou. E ele se passou.

Acordou. Pausou num gerúndio duradouro. Não tinha café nem o seu forçado e cínico sorriso de canto de boca. Foi ver a rua e soberana a menina ordenava que o sol descesse e seu coração parasse. Não tinha café nem menina.

Agora era noite e tentava achar o sol que desceu corando a maçã alvíssima e sardenta num gole tragoso de conhaque. Não encontrava o brilho nem a graça enleante. Não encontrava os pontos escuros, porém luminosos, nem a seda negra transfigurada cabelo, nem um olhar cativo de jaboticaba, nem um sibilado, nem uma curva sinuosa, nem um som agudo e quebradiço de menina sorrindo sua graça.

Eram dois! Três, cinco... meia garrafa de conhaque. Envelheceu sua beleza no torpor. Marcou no seu rosto linhas decaídas. Marcou como se ele fosse o cinderelo aguardando sua princesa chegar cavalgando e galgando seu amor num grande e robusto cavalo branco de conto de fadas. Um cinderelo ao avesso. Um cinderelo sem sua graça e traje de gala. Um cinderelo sem sua torre – enclausurado nas entranhas de sua masmorra.

Parou num gerúndio longo... mas tudo vinha em par – agora por efeito borracho. Dois copos. Dois cinzeiros. Dois cigarros soltando suas lufadas bem tragadas. Dois garçons esperando as duas próximas doses. Tudo vinha em par, senão o seu par.

Um gerúndio longo e mais café. E a menina continuava arrebatando o sol. Um gerúndio longo e café, e café, e café. Cansado do café foi a rua olhar sua menina atravessa-la e imperativamente fazer o sol descer à sua cama. Mas vieram as nuvens que fizeram gotejar pingos pesados e molhados sobra a seda negra e curta. A seda amarrotada e ensopada que balouçava num movimento tardio e fragmentado, formando linhas curvilíneas e montanhas contra o desenho da chuva que caía densa em seus tons de cinza e azul-royal. Corria desenhando tais formas, corria em busca de abrigo. E se estivesse na condição de guarda, estaria lá, estendido com seu guarda-chuva, esperando a menina e esperando a chuva passar. A chuva não passava e passava a menina. Quanto quis que seus braços se abrissem numa grande copa protetora, mas seu estilo cinderelo obrigou-o a se sentar na escadaria, de pé estendido esperando seu sapato. Sua menina e sua seda não vieram mais uma vez.

Pausou num gerúndio longo. E não veio o café. O mau-humor. Nem a menina descendo o sol à sua cama.

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